domingo, 17 de março de 2013

Na garupa de Jesus

    
No bairro de Porto Alegre, onde cresci, as árvores sombreavam as casas de madeira, meu pai trabalhava em uma malharia próxima de nossa casa, minha mãe se mantinha no aconchego do lar e nos cultos de orações na tarde de quarta-feira na igreja local. Os filhos corriam à vontade, jogando taco e bolinha de gude no fim da rua. Quando eu tinha nove anos e minha irmã estava com seis, nossa família passou por um momento difícil, meu pai não estava ganhando o bastante como tecelão. Por fim, ele chegou à conclusão de que teria mais chance trabalhando em uma malharia que ficava perto de uma vila (favela) perigosíssima próxima do centro da cidade. Minha mãe ficou preocupadíssima, pois com problemas de pressão e glaucoma não podia trabalhar e temia que o ganho do esposo não desse para sustentar a casa, mas meu pai disse que era melhor se agarrar em Deus e correr o risco de tentar a profissão em outro lugar do que ficar em casa e deixar faltar o que comer. Então, foi bem cedo, numa manhã, que ele partiu em sua TL Volksvagen, à procura de trabalho nas malharias de Porto Alegre. De repente, minha irmã e eu não tínhamos como ir para escola, que ficava distante de nossa casa. Para mim, não havia nada melhor do que a ideia de faltar às aulas e ficar brincando em casa. Quando estávamos nos despedindo do nosso pai, sussurrei para minha irmã que pegaríamos girinos no valão do outro lado da rua e os guardaríamos em vidros, como animais de estimação. Sorrimos, animados. Nossa felicidade não durou muito, quando, de repente, minha mãe surgiu por trás de nós, com as mãos nos quadris, e disse: – O que vocês estão fazendo aqui? Está ficando tarde, vão se vestir. – Pra quê? – perguntei. Minha mãe arregalou os olhos. – Para a festa do seu casamento é que não é, ora essa! Para a escola, claro. Meu queixo caiu nos pés. -O pai não esta aqui, não podemos ir à escola a pé. Minha mãe sacudiu a cabeça e disse: -Vocês não vão à escola a pé. Eu mesma vou levá-los. Na bici do seu pai. Olhando para o portão, avistamos a bicicleta BARRA FORTE velhíssima encostada na árvore. O guidão estava todo enferrujado, amassado e torto, e o pedal direito não passava de um pedaço de ferro. Fazia anos que ninguém usava a bike, e achei que ela talvez nem andasse. Comentei com minha mãe que levaríamos tanto tempo indo à escola de bicicleta que estaríamos velhos quando chegássemos. Ela pediu que eu parasse de bancar o espertinho, ou deixaria minhas orelhas quentes, vermelhas e latejando. Olhei para minha irmã em busca de apoio. Ela disse que morreria de vergonha se fosse à escola naquele ferro velho. Minha mãe argumentou que não se lembrava de ter adotado a filha do presidente. “Portanto, hoje vocês vão à escola de bicicleta”, decretou. Fim de papo. Com o coração na mão, vestimos o uniforme. minha irmã andava de um lado para o outro, protestando contra a ditadura em que vivíamos. A mãe não disse nada a ela, mas sussurrou para mim: “Se sua irmã não parar, a casa vai cair, e vamos precisar morar debaixo de uma árvore pelo resto da vida.” Eu sabia que ela tentava me fazer rir. Procurei ficar sério, para mostrar que ainda estava triste, mas não consegui. Quando calçamos os sapatos, minha mãe já nos aguardava à porta, com a velha bicicleta. “Subam e fiquem à vontade!”, disse, com um sorriso. Montamos na garupa. Ela era pequena demais para mim e minha irmã. Por isso, metade do meu bumbum ficava para fora. E assim fomos. A bicicleta chacoalhava muito, e todas as pessoas por quem passávamos se viravam para ver de onde vinha o barulho. Minha irmã e eu riamos e tapávamos o rosto, de vergonha. Os pneus estavam quase vazios, o freio era no pedal, a bicicleta dava solavancos sempre que passava por uma pedra ou um buraco na estrada. Falei pra minha mãe que acabaríamos sofrendo de prisão de ventre. “Você pode ir para a cadeia por destruir o nosso aparelho digestivo”, acrescentou minha irmã, com a voz trêmula. Minha mãe riu e disse que nunca ouviu tanta besteira em um só dia. Além do mais, prisão de ventre não era tão ruim assim, em comparação com as outras doenças que assolavam o mundo. Vinte minutos depois, chegávamos ao portão da escola. As aulas já haviam começado. Saltamos da bicicleta, esfregando as costas doloridas e os bumbuns assados. Avisamos a mãe que aquela seria a última vez que andaríamos na bicicleta. De agora em diante, preferíamos ir a pé. Ela esfregou nossas costas e disse: “Desculpem, mas não quero que meus filhos percam aulas nem quero que acabem como eu, sem uma formação. Então, entrem logo e estudem por mim, está bem?” Ela nos deu o dinheiro do lanche, e beijamos seu rosto, em sinal de respeito, como sempre fazíamos em casa antes do pai nos levar para escola. Mas, quando meus lábios tocaram o rosto dela, senti um gosto salgado. Seu rosto estava suado. Ao olhar para minha mãe com mais atenção, notei que seu rosto estava brilhando, vermelho, e sua camisa branca, com florzinhas roxas, estava ensopada e ela estava ofegante. Então pensei... enquanto eu e minha irmã reclamávamos da tortura da bike assassina, minha mãe se esforçava para nos levar pra frente. Fiquei com o coração apertado. Não entendia por que ela escolhera o caminho mais difícil, em vez de ficar em casa, descansando os pés. Ao caminhar em direção ao portão do colégio, uma história que minha mãe sempre nos contava ecoava em minha cabeça: Cristo fez e continua fazendo TUDO para nos ver caminhar pra frente, Ele desceu a este mundo por você, podendo ter ficado em sua casa com todas as mordomias disponíveis. Ele te ajuda, te cura e leva você pelo MELHOR caminho. Cristo deu a vida dEle por você. O que Ele pede não é muito... Ele diz: CONFIA EM MIM. Cristo sabe o que é melhor pra você. A jornada pode ser longa, a sua bike pode parecer que não vai te levar a lugar algum, a estrada pode ter muitas pedras e buracos no caminho. Confia! Pois quem esta na direção de sua vida é Cristo e Ele sabe da dificuldade que você esta passando e NADA vai impedir a Cristo de te levar a vitória. Esta história tem um pouco de ficção, mas a atitude de Cristo na vida de minha mãe em me levar adiante é real. A atitude de Cristo em cuidar de mim, mesmo reclamando de tudo, é real. -Obrigado Senhor por me levar na garupa e estar comigo até aqui. OBRIGADO!    www.facebook.com.br/rodrigostyl

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